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Brazilian health workers have been spraying for Aedes aegypti mosquitoes, but some health experts wonder if another mosquito specie should also be examined as a possible vector for the Zika virus.Felipe Dana/The Associated Press

This article is a Portuguese translation from the Globe and Mail. To read this article in English, click here.

Quando a presidente do Brasil, Dilma Rousseff, anunciou um novo financiamento para combater a epidemia de Zika em seu país, na última quarta-feira, ela enfatizou o quão misterioso ainda é o vírus: "Nós sabemos que a transmissão do vírus Zika se dá pela picada do mosquito Aedes aegypti, mas o restante do nosso conhecimento ... ainda está aquém do necessário para que possamos proteger, com eficácia, a saúde da nossa população".

Mas Dilma estava errada. Seu governo não sabe nem mesmo este único fato sobre o Zika. Embora haja bons motivos para suspeitar que o Aedes aegypti - espécie de mosquito conhecida por suas características patas listradas em preto e branco - é o agente de infecção, ainda não há descobertas confirmadas do vírus no aegypti no Brasil.

Quase um ano depois de o Zika começar a ser registrado aqui, e cinco meses depois de o governo decretar uma emergência de saúde pública, ninguém ainda encontrou provas de que o Aedes aegypti esteja, de fato, espalhando Zika ou se pode ser apenas um entre vários vetores. Uma pergunta crítica é se o vírus também pode ser transmitido por um outro mosquito - possivelmente um do gênero Culex, que é muito mais comum que Aedes aegypti.

Contudo, aconselhado pela Organização Mundial de Saúde, o Brasil baseou toda a sua resposta à epidemia de Zika no combate a esta única espécie de mosquito. E a crise política e econômica que toma conta do país deixou em segundo plano uma resposta já errática e subfinanciada.

No Brasil, 907 bebês foram diagnosticados com microcefalia (cabeças anormalmente pequenas - e a marca registrada desta crise) ou outros defeitos cerebrais relacionados à infecção congênita do vírus Zika, com outros 4.293 casos sob investigação; 146 mortos e natimortos estão sendo relacionados com o vírus. Ele também está sendo responsabilizado por um surto de casos da doença neuroparalítica Síndrome de Guillain-Barré. Pelo menos 1,5 milhão de brasileiros foram infectados com o vírus Zika.

Dois pesquisadores que analisam mosquitos capturados nas casas de pessoas com Zika dizem que "podem" ter encontrado o vírus, mas o estudo ainda não foi concluído ou teve dados publicados. Outro punhado de entomologistas - nenhum deles organizados em uma rede nacional de vigilância - estão capturando e estudando o aegypti, mas não encontraram o vírus Zika em nenhum exemplar que conseguiram capturar.

Claudio Maierovitch, diretor de Vigilância de Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde do Brasil, defendeu o foco do país no Aedes aegypti, dizendo que há quantidade considerável de pesquisa na África mostrando que o vírus é transportado por esta espécie de mosquito; que o Aedes aegypti é confirmado como o vetor de outros flavivírus estreitamente relacionados, tais como a dengue e a febre amarela no Brasil; e que o padrão da epidemia Zika se sobrepõe com os mapas da presença e densidade do mosquito.

"No Brasil, baseamo-nos, desde o início da epidemia, nas informações oficiais da própria OMS de que os mosquitos do gênero Aedes são os principais responsáveis pela transmissão do vírus Zika. Esperamos que pesquisas em andamento no país e fora dele possam nos dar mais segurança quanto ao papel de outros culicídeos na transmissão", disse ele.

A OMS, em uma resposta por e-mail às perguntas do The Globe and Mail, afirmou: "A evidência epidemiológica atual sugere fortemente que o Aedes é o principal vetor."

Mas alguns entomologistas brasileiros - e especialistas internacionais que recentemente vieram ao país para examinar o papel do mosquito no surto de Zika - estão alarmados. Eles concordam que o Aedes aegypti pode muito bem ser um vetor, mas dizem que muito pouco é conhecido para que a resposta à crise esteja focada apenas nesta espécie, especialmente porque o tipo de vírus em circulação no Brasil tem se comportado - e tendo um impacto -  de forma marcadamente diferente do que já foi registrado.

O Zika nunca havia sido conhecido por ser sexualmente transmissível, o que esta estirpe do vírus é, ou por causar dano cerebral fetal. Pesquisadores conseguiram estabelecer que um surto na Polinésia Francesa em 2013 foi causado pelo mesmo tipo de vírus. Porém, por lá, o vírus não foi encontrado no Aedes aegypti, diz Constância Ayres, uma entomologista que estuda a presença do Zika em mosquitos na sede de Recife do principal instituto de pesquisa sobre saúde pública no Brasil, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). E o vírus também não foi encontrado neste mosquito no surto da doença que aconteceu na ilha Yap, no Pacífico, em 2007.

"Eu acredito que o Aedes pode transmitir o vírus", disse ela. "Mas eu acredito que é possível que o Culex seja o principal vetor no Brasil".

Outra questão chave é se a transmissão sexual está atuando como um condutor maior da epidemia do que se suspeitava anteriormente. É difícil provar isso em uma área com um surto, já que a maioria das pessoas que teve relações sexuais com alguém infectado provavelmente também já foi mordida por um mosquito.

E tudo isso é importante porque a resposta de saúde pública deve ser adaptada ao vetor. O Aedes aegypti se alimenta durante o dia, por exemplo, de modo que o Ministério da Saúde do Brasil está incentivando as pessoas, especialmente as mulheres grávidas, a usarem repelente e mangas compridas. Mas o Culex se alimenta à noite - e assim uma estratégia fundamental para a prevenção são os mosquiteiros de cama, pouco usados aqui. O Aedes prospera principalmente em pequenos acúmulos de água ao redor de habitações humanas; já o Culex se reproduz no esgoto.

O Brasil tem investido em mosquitos transgênicos, que iriam acabar com a espécie - mas é o aegypti que foi geneticamente modificado. E se o vetor for algo totalmente diferente desses mosquitos?

Grayson Brown, professor de entomologia da Universidade de Kentucky, que co-presidiu a cúpula sobre Aedes e Zika realizada na cidade de Maceió há 10 dias, disse que os participantes deixaram como incerto qual é, de fato, o vetor transmissor.

"Nós estamos baseados em evidências de lugares com Zika onde há um período mais longo de estudo, mas o problema é que o tipo de Zika circulando mudou muito - e nós vimos isso com o Chikungunya [outro vírus transmitido por mosquitos], de que é possível que essas coisas pulem de uma espécie para outra", disse Brown.

Mas a epidemia de Zika foi totalmente marginalizada pelo intenso drama político em Brasília. A presidente Dilma enfrenta um impeachment iminente e praticamente todo o establishment político está envolvido em uma investigação de corrupção gigantesca. O país enfrenta a sua pior recessão em 100 anos e, com isso, o orçamento público sofreu diversos cortes.

"O problema aqui agora é a crise financeira no Brasil: imagine pedir um orçamento para um projeto de US$ 1 milhão - a resposta vai ser não", disse Margareth Capurro, uma entomologista da Universidade de São Paulo (USP), cuja análise de 289 mosquitos, coletados nas casas de pessoas com suspeita de Zika, é a única com potencial para mostrar a presença do vírus. Testar um único inseto para o vírus custa o equivalente a US$ 11; o ideal seria que os pesquisadores fizessem milhares e milhares, disse ela.

A crise política também não está ajudando muito, acrescentou. "Vamos dizer que amanhã eu receba um compromisso do ministro da Saúde de US$ 3 milhões - só que eu não sei se na próxima semana ele ainda vai ser o ministro", disse ela.

A presidente Dilma anunciou um novo financiamento de US$ 320 milhões em doações e empréstimos para desenvolver desde vacinas e diagnósticos até à comercialização de tecnologias para controlar os mosquitos - com o foco exclusivamente no Aedes aegypti.

A doutora Ayres, da Fiocruz, disse que ela também está desesperada por recursos - humanos e financeiros - para expandir a investigação. Ela está finalizando um estudo que afirma mostrar que o Culex quinquefasciatus - uma espécie onipresente no Brasil e também encontrada no extremo norte do mundo, como no Canadá - pode transmitir Zika em laboratório - embora este ainda seja um longo caminho para mostrar que o mesmo pode acontecer na natureza. Ela está capturando e estudando tanto o Culex como o Aedes, mas ainda não encontrou o vírus em nenhum dos dois. Caso se constate que o Brasil, guiado pela OMS, apostou errado em qual é o vetor, as implicações são assustadoras, disse ela.

Os cientistas fora do Brasil compartilham cada vez mais esses mesmos medos. Fiona Hunter, uma entomologista da Universidade de Brock, em St. Catharines, no estado de Ontário, no Canadá, e que participou da cúpula sobre o Aedes, diz estar profundamente preocupada que o país possa estar cometendo um erro em sua resposta à doença. "Me espanta o fato de que, até onde eu sei, não existem tantos dados disponíveis mostrando que o Aedes aegypti é o responsável pela epidemia de Zika ".

Hunter participou da primeira iniciativa para encontrar o vetor do vírus do Oeste do Nilo no Canadá. Segundo ela, para realizar a captura, os cientistas montaram armadilhas para capturar todos os mosquitos existentes em uma área, e depois testaram e testaram novamente dezenas de espécies para estabelecer, acima de qualquer dúvida, qual espécie estava causando a epidemia.

"É assim que a investigação sobre uma nova doença deveria ser feita", disse ela, e o comportamento perverso do Zika no Brasil faz com que o caso mereça ser tratado como uma nova doença. "Mas eles não descobriram isso - os brasileiros automaticamente presumiram que é o aegypti.  Eu ouço os médicos aqui na rádio no Canadá dizendo que as pessoas não têm que se preocupar nunca com o Zika - bem, sim você precisa se preocupar. Existem implicações mundiais na propagação deste vírus".

A doutora Capurro em São Paulo gostaria de analisar 2.000 mosquitos por mês, mas afirma que está limitada pela falta de uma rede nacional. "Eu preciso de ligações com hospitais [para identificar os locais potenciais para captura] e administrações municipais - eu nem sei para quem ligar", disse ela.

A doutora Ayres diz que, apenas na semana passada, meses depois do início da emergência, é que a delegação regional da OMS entrou em contato com ela para discutir a formação de uma rede de vigilância viral em mosquitos.

Davis Ferreira, virologista e vice-diretor do Instituto de Microbiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), analisou cerca de 500 mosquitos, tanto o aegypti como o Culex, procurando pelo Zika, e não o encontrou. Recentemente, ele mudou seu protocolo de pesquisa para utilizar uma nova sequência de RNA viral, que ele espera produzir novos resultados.

"Não temos a vigilância que deveríamos ter", disse ele, que não tinha certeza sobre o que outros pesquisadores podem ter encontrado ou estão procurando. "Talvez seja a hora de unir forças e ver o que os outros estão fazendo."

Um outro entomologista, Ricardo Lourenço de Oliveira, que trabalha no escritório carioca da Fiocruz, disse que "encontrou alguns" mosquitos com Zika nos cerca de 600 exemplares que ele analisou, mas que não há dados para tornar públicos ainda.

O Grupo de Controle de Vetores da OMS, em Genebra, disse por e-mail que mais pesquisa é necessária, mas que o Brasil não está cometendo um erro ao visar o Aedes aegypti.

"As recomendações atuais de controle de vetores, que são dirigidas ao Aedes, também têm se provado eficazes contra o Culex doméstico", escreveu o especialista em doenças infecciosas Raman Velayudhan e a entomologista Florence Fouque. "Os métodos incluem a pulverização residual de inseticida, pulverização no interior de prédios e casas, controle larval, eliminação de criadouros e proteção pessoal, incluindo o uso de repelentes."

Uma série de especialistas consultados pelo Globe destacou que não é necessariamente surpreendente que o Zika não tenha sido encontrado no Aedes aegypti no Brasil - embora todos tenham expressado surpresa pelo fato de que não existe um esforço coordenado nacionalmente procurando pelo vírus.

Mesmo em uma epidemia, encontrar o vírus em um inseto não é uma coisa simples, afirmam. Estima-se que apenas um em cada 1.000 insetos esteja infectado, mesmo no auge de um surto. Apenas alguns mosquitos vivem tempo o suficiente para se tornarem infecciosos (isto é, eles mordem alguém com o vírus, que se estabelece no corpo do inseto e viaja para as glândulas salivares, onde o mosquito pode então contaminar alguém com a sua mordida.) E, segundo a doutora Ayres, a pesquisa sugere que o vírus não viva tanto tempo em um mosquito como a dengue, por exemplo, o que significa que a janela para um pesquisador pode achar o Zika é curta.

O doutor Brown, em Kentucky, afirma que há uma série de outros desafios logísticos, que vão desde a forma como o mosquito é abatido em uma armadilha com um ventilador até a necessidade de se guardar as amostras rapidamente em gelo seco ou em "mesas frias", ambos escassos no Brasil.

"Neste momento, estou disposto a acreditar que [o fato de que o vírus não foi encontrado] é mais devido à técnica de amostragem e às limitações logísticas do que qualquer outra coisa", disse ele.

O tipo brasileiro de Zika está agora correndo pela América Latina. Em Porto Rico, onde estima-se que até um quarto da população seja infectada nos próximos meses, os pesquisadores ainda não encontraram o vírus em nenhum Aedes sequer. Roberto Barrera, chefe de entomologia e ecologia do Centro americano para Controle de Doenças em Porto Rico, disse que seu laboratório tem um enorme acúmulo de mosquitos para analisar.

As amostras de novembro e dezembro não tinham Zika, e os mosquitos capturados desde então ainda não foram analisados. Ele chamou de "inesperado" o fato de que nenhum pesquisador no Brasil tenha encontrado o Zika no mosquito Aedes em áreas com transmissão.

"O Zika é um vírus de recente circulação, por isso, embora pessoalmente eu não acredite que se vá descobrir que o Culex seja o vetor, não seria ruim investigá-lo", disse ele. "A abordagem conservadora coloca o aegypti como alvo - mas quem sabe? Será uma tragédia se o Zika estiver sendo transmitido pelo Culex, e também não há nenhuma razão para que o Aedes aegypti não seja capaz de transmiti-lo também - então, o problema pode ser dobrado".

Com arquivos de Manuela Andreoni

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